Matthias Sindelar: o 'Homem de Papel' que desafiou o regime de Hitler

Lendas Mundiais é uma nova rubrica do blog Passe a Rasgar, onde serão recordados jogadores que marcaram uma grande era no futebol mundial.

«O golo de Sindelar foi uma verdadeira obra de arte, um feito que ninguém conseguiria alcançar contra um adversário como os ingleses. Nem antes nem depois dele. Sindelar pegou a bola no meio campo e disparou com a sua incomparável elegância, driblando tudo o que lhe aparecia pela frente, e concluiu empurrando a bola para o fundo da baliza.». Estas palavras do belga John Langenus, árbitro que apitou o jogo entre Inglaterra e Áustria em 1932, que terminou com uma vitória da selecção inglesa sobre a congénere austríaca, ajuda a descrever a qualidade que Der Papierene (Homem de Papel em austríaco) espalhou nos relvados austríacos na década de 30.

Símbolo do Austria Viena (SC Ostmark Viena quando a Áustria foi anexada à Alemanha) e da Selecção da Áustria, conhecida por Wunderteam e orientada por Hugo Meisl, Matthias Sindelar, nascido no dia 10 de Fevereiro de 1903, marcou uma era dourada no futebol austríaco. O menino austríaco que nascera na Morávia, que hoje é a República Checa e que pertencia na altura ao Império Austro-Húngaro, começara a carreira de futebolista dois anos mais tarde, primeiro no Hertha de Viena e depois no Wiener Amateur-SV (que viria a chamar-se Austria Viena), onde conquistaria vários títulos que aumentavam a sua lenda no Austria Viena e no futebol austríaco.

Ao nível de títulos ganhos com o 'seu' Austria Viena, Sindelar foi campeão austríaco em 1926 e venceu a Taça da Áustria em 1925, 1926, 1933, 1935 e 1936. E a nível internacional, o goleador austríaco venceu ainda duas Taças Mitropa, em 1933 e 1936, uma competição europeia de clubes muito importante e que está na génese da criação da Liga dos Campeões. De 1924-1925 até 1938-1939, Matthias Sindelar foi a estrela-maior do clube num país que seria invadido pela Alemanha de Adolf Hitler.

Já ao nível da Selecção da Áustria, Matthias Sindelar foi também a estrela-maior daquela Wunderteam de Hugo Meisl, acabando por ter registado 8 jogos e 4 golos apontados. Ao serviço da Áustria, Sindelar marcou presença no Campeonato do Mundo de 1934, em Itália, onde só caíram nas meias-finais aos pés da selecção anfitriã, depois de uma péssima arbitragem do árbitro sueco Eklind que, segundo rezam as crónicas de então, não terá visto uma alegada grande penalidade de Monti sobre, precisamente, Sindelar.

Mas o pior da vida de Sindelar estava para vir. Em 1938, a Alemanha de Hitler anexou a Áustria ao III Reich, dando início ao Anschluss. E para celebrar a anexação foi marcado um jogo entre Alemanha e Áustria, onde os jogadores austríacos jogariam pela última vez com as cores do seu país. E a pedido do próprio Sindelar, os jogadores jogaram com o equipa vermelho e branco, as cores da bandeira da Áustria, ao contrário dos alemães que jogavam com camisola branca e calções pretos. O jogo disputou-se no Prater, em Viena, com as bancadas cheias de políticos do Partido Nazi e de oficiais alemães. O 0-0 no resultado até aos 20 minutos finais e quando a Áustria marcou os dois golos por Sindelar, que derrotaram a Alemanha, Sindelar festejou exacerbadamente em frente aos políticos e oficiais alemães.

O dia 26 de Dezembro de 1938 marcou o fim da carreira de Mathias Sindelar num jogo entre SC Ostmark Viena (o 'seu' Austria Viena) e o seu último golo pelo Austria Viena foi frente ao Hertha de Berlim num empate a duas bolas. Der Papierene, depois de deixar o vida futebolística, passou a viver de rendimento e abriu uma cafetaria. 

Mas a 23 de Janeiro de 1939, Matthias Sindelar e Camilla Castagnola foram ambos encontrados mortos no seu apartamento em Viena. Segundo se diz, o relatório da polícia diz que a morte de ambos decorreu depois de uma fuga de gás. Contudo pelas ruas de Viena correram rumores de que tinha sido suicídio ou assassinato. E a teoria do assassinato ganhou muito mais força depois da guerra, pois descobriu-se que o Homem de Papel andava a ser investigada pela Gestapo e que na sua ficha constava que tinha simpatias por sociais-democratas e por ser pró-judeu. Mas nunca nada foi provado, ficando tudo enredado num enorme mistério.

Cerca de 20.000 pessoas marcaram presença no cortejo fúnebre de Matthias Sindelar, aquele que tinha tido a coragem de desafiar o regime alemão de Adolf Hitler. E à semelhança de outros nomes, como Beethoven, Brahams, Schubert e Strauss, Matthias Sindelar descansa em paz no Zentralfriedhof.   

Comentários